Osteopoiquilose em paciente com neoplasia invasiva de mama

Luiz Felipe Blanco1, Beatriz Gurgel1, Felipe Batista1, Flavia Lopes2, Paola Souza1, Antônio Fiel Cruz Júnior3.1 - Departamento de Medicina, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, Brasil..2 - Departamento de Radiologia, Dasa/Clínica de Diagnóstico por Imagem (CDPI), Rio de Janeiro, Brasil..3 - Unidade de Medicina Nucelar, Dasa/Grupo São Camilo, Maringá, Brasil..

Introdução

Osteopoiquilose (OPQ) ou osteopecilose é uma displasia óssea esclerosante de herança autossômica dominante caracterizada por múltiplas áreas hiperostóticas bem definidas em regiões de osso trabecular periarticular. Os locais mais frequentemente acometidos são mãos, pés, pelve e epífises e metáfises de ossos longos(1,2). A prevalência é estimada em 1:50.000 e a incidência é equivalente em ambos os sexos(3). Trata-se de uma condição benigna cuja apresentação geralmente é assintomática, habitualmente diagnosticada como um achado incidental durante a investigação de outra condição concomitante(1-3). O principal diagnóstico diferencial da osteopoiquilose são as metástases osteoblásticas(1,3,4); portanto, o reconhecimento precoce dessa condição é essencial a fim de evitar equívocos diagnósticos e a realização de procedimentos invasivos e dispendiosos. Neste relato de caso, apresentamos uma mulher com diagnóstico de carcinoma de mama que apresentou lesões osteoblásticas visualizadas em PET/CT FDG-18F, inicialmente consideradas metástases neoplásicas.

Descrição do caso

Paciente do sexo feminino, 51 anos, com diagnóstico prévio de carcinoma invasivo de mama, foi submetida a PET/CT FDG-18F, que demonstrou, além da neoplasia primária, lesões osteoblásticas sem expressão metabólica em escápulas, coluna vertebral, arcos costais, ossos pélvicos e fêmur (fig. 1A). Cintilografia óssea (fig. 1B) revelou leve captação inespecífica de 99mTc-MDP compatível com doença articular degenerativa em processos espinhosos de coluna lombar, côndilos femorais laterais e articulações sacroilíacas e coxofemorais.

Figura 1
Figura 1 Imagens de (A) PET/CT FDG-18F e (B) cintilografia óssea com 99mTc-MDP de uma mulher de 51 anos recentemente diagnosticada com carcinoma invasivo de mama. Além da neoplasia primária, PET/CT FDG-18F detectou múltiplas lesões osteoblásticas sem expressão metabólica significativa em escápulas, coluna vertebral, arcos costais, ossos pélvicos e fêmur. Nesta paciente, a cintilografia óssea evidenciou leve captação inespecífica de 99mTc-MDP em coluna lombar (processos espinhosos), côndilos femorais laterais e articulações sacroilíacas e do quadril, condizente com doenças degenerativas osteoarticulares.

Tomografia computadorizada de tórax (fig. 2) e ressonância magnética (fig. 3), evidenciaram múltiplas formações nodulares ósseas aleatoriamente distribuídas em arcos costais e corpos vertebrais torácicos e lombares, sem sinais de fraturas patológicas. Biópsia (fig. 4) e estudo imunohistoquimico (fig. 5) foram realizados; a análise histológica revelou medula óssea com celularidade preservada e sem evidência de malignidade. A imunohistoquímica (IHQ) demonstrou expressão para CD3 e CD20 sem expressão de citoqueratina, sugerindo tecido hematopoiético reacional e excluindo neoplasia secundária.

Figura 2
Figura 2 Tomografia computadorizada de tórax da mesma paciente demonstra formações ósseas nodulares hiperdensas esparsas ao longo de corpos vertebrais e arcos costais (setas brancas).

Figura 3
Figura 3 Ressonância magnética também revelou múltiplas lesões aleatoriamente distribuídas em vértebras torácicas e lombares, sem sinais de fraturas patológicas.

Figura 4
Figura 4 Resultados histológicos não revelaram indícios de malignidade; evidenciou-se medula óssea com celularidade preservada e setores eritroide, granulocítico e megacariocítico com morfologia e maturação intactas, e ausência de agregados linfoides ou fibrose.

Figura 5
Figura 5 Estudo imunohistoquímico revelou população linfoide mista consistindo de linfócitos T (CD3; 400X) e B (CD20; 400X). Todos esses achados histopatológicos excluem neoplasia secundária e sugerem tecido hematopoiético reacional(9).

Apesar da localização incomum das lesões, osteopoiquilose foi considerada o principal hipótese diagnóstica devido à ausência de lesões hipermetabólicas em PET/CT(5) e à baixa captação do radiofármaco na cintilografia óssea(6), além da ausência de indícios de malignidade na biópsia e da negatividade da IHQ para biomarcadores tumorais(7).

Seguimento com PET/CT FDG-18F realizado após dois anos evidenciou ausência de progressão das lesões osteoblásticas, o que corrobora com a hipótese de um quadro benigno.

Discussão

A osteopoiquilose é uma rara displasia óssea esclerosante, caracterizada por uma anormalidade no processo de maturação óssea(3,6). OPQ é uma doença hereditária com padrão autossômico dominante(1,2); entretanto, foram relatadas formas esporádicas da doença, sem história familiar(2-4). Apesar de sua etiologia ser desconhecida, muitas hipóteses têm sido sugeridas, como falha na formação de trabéculas normais, falha na reabsorção de osso esponjoso secundário, mutações de perda de função no gene LEMD3 e osteogênese prejudicada(3,6,8).

Embora a OPQ seja geralmente assintomática, dor leve e derrame articular podem estar presentes em 15-20% dos pacientes. Essa condição já foi relatada em associação a outras doenças dermatológicas, esqueléticas, reumatológicas e endócrinas, bem como a malformações urogenitais e cardíacas. Os pacientes ainda podem apresentar nódulos amarelados de tecido conjuntivo denominados dermatofibrose lenticular disseminada (DLD). A sobreposição de OPQ e DLD é categorizada como síndrome de Buschke-Ollendorf(3,4,6). Também tem sido associada à melorreostose, doença óssea mais severa que se manifesta com deposições de osso compacto em superfícies periosteal e endosteal, frequentemente com envolvimento de partes moles, causando deformações e dor(8,9).

Como geralmente é clinicamente assintomática, os achados indicativos de OPQ são tipicamente detectados incidentalmente em exames de imagem durante a investigação de outra condição concomitante(1-3). Caracteristicamente, essas lesões são numerosas, pequenas (1-10 mm), homogêneas, escleróticas, circulares ou ovaladas, bem delimitadas, com ausência de destruição óssea(1,4,5,10). Apresentam-se como ilhas ósseas difusas e simétricas, cujos locais mais comuns são as falanges da mão, seguidas por ossos do carpo, metacarpos, falanges dos pés, metatarsos, ossos do tarso, pelve e epífises e metáfises de ossos longos(2,3,8).

O principal diagnóstico diferencial são metástases osteoblásticas. Neste caso, posto que a paciente era portadora de carcinoma invasivo de mama, essa foi a primeira hipótese aventada. Porém, análises posteriores fortaleceram a possibilidade de uma condição benigna em detrimento a metástases neoplásicas. Em relação ao câncer de mama, até 70% das metástases são esqueléticas, podendo apresentar aspecto radiológico lítico, blástico ou misto(7). Em contraste à OPQ, as lesões metastáticas osteoblásticas tendem a ser assimétricas de tamanhos variados e a apresentar destruição óssea e reação periosteal(3,4,7). São vistas com maior frequência em costelas, corpos vertebrais e diáfises de ossos longos(1-3). Outros diagnósticos diferenciais da OPQ incluem mastocitose e esclerose tuberosa. Em ambas estas condições, as lesões tendem a apresentar menor preferência metafisária e epifisária e a ser mais assimétricas e mal definidas(3,6).

Na paciente aqui relatada, PET/CT FDG-18F revelou lesões em escápulas, coluna vertebral e arcos costais, o que é mais característico de doença metastática. O envolvimento de costelas, clavículas, coluna e crânio na OPQ é raro e menos acentuado. No entanto, isso não impossibilita o diagnóstico de osteopoiquilose, considerando que a apresentação pode ser atípica em idosos devido a mudanças ao longo do tempo(5,7,11). A ausência de dor favorece a hipótese de OPQ, contudo, até 30% dos pacientes com metástase óssea podem não apresentar dor(7). Por ser aceita como uma ferramenta sensível para o diagnóstico de metástases de câncer de mama(7), a cintilografia óssea desempenha um papel crucial na discriminação entre OPQ e doença metastática(1-3,6). Na doença metastática, a cintilografia evidencia "hot spots" de atividade aumentada; na osteopoiquilose, não é evidenciado aumento na captação do radiofármaco(1-3,6). A falta de captação pela cintilografia pode ser explicada pela ausência de sinais de remodelação ativa comumente observada em análise histológica dos focos, refletindo remodelação óssea antiga(11).

Nesta paciente, a cintilografia óssea mostrou leve aumento inespecífico de 99mTc-MDP em processos espinhosos de coluna lombar, articulações sacroilíacas, articulações do quadril e côndilos laterais do fêmur. Esse achado foi compatível com doença degenerativa osteoarticular. Biópsia de região pélvica e imunohistoquímica também foram realizadas e evidenciaram tecido hematopoiético reacional, excluindo neoplasia secundária.

A OPQ não requer um tratamento específico, na medida em que não afeta a resistência óssea e não é associada a um risco maior de fraturas(3,4,10).

Em conclusão, OPQ é uma condição rara, benigna, geralmente assintomática, frequentemente descoberta como um achado radiológico incidental. Portanto, o diagnóstico de OPQ deve ser sempre lembrado a fim de evitar diagnósticos incorretos e de prevenir estresse emocional e testes invasivos desnecessários. Por outro lado, OPQ pode mascarar metástases ósseas em pacientes com câncer, situação em que a correlação clínico-cintilográfica é vital para evitar interpretações equivocadas, como mostrado neste caso.

Referencias

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